ENTREVISTA PRIMEIROS CUIDADOS COM O BEBÊ
Dr. Antranik Manissadjian é médico pediatra com 55 anos de experiência e professor de grande número de profissionais que se especializaram nessa área. Durante nove meses as mulheres se preparam para a chegada de um bebê. São roupinhas, berço, a escolha da maternidade e do nome. Parece que tudo está em ordem à espera que ele dê os ares de sua graça. Quando a criança nasce, porém, é sempre uma confusão em casa, especialmente se os pais são marinheiros de primeira viagem. Horários das mamadas e do sono, o choro, as visitas, a ocasião adequada para um passeio, os banhos de sol, tudo é motivo de dúvidas e preocupações. Será que meu filho dorme demais? Está com fome? Chora de cólica ou porque quer companhia? São tantas as perguntas e tão pouca a experiência quando se trata especialmente do primeiro filho. Nesses momentos, aparecem as avós para socorrer as mães que têm medo até de segurar a criança. Cuidar de um bebê não é um bicho de sete cabeças. Há uma telepatia indiscutível entre mãe e filho que a faz entender seu choro e necessidades. A mãe não deve esquecer, porém, que a educação de uma criança deve começar antes mesmo de ela nascer.
PAPEL DAS AVÓS
Drauzio – Esse conhecimento que as avós trazem para casa do bebê tem grande importância prática, mas muitas vezes estão baseados em mitos. Qual sua visão a respeito do assunto?
Antranik Manissadjian – No que se refere aos primeiros cuidados com a criança recém-nascida, ao ajudar as filhas ou noras, as avós desempenham um papel importante e imprescindível. Não são mitos que transmitem. É o acúmulo de experiência que vem de longa data. Inclusive, a orientação que dou às mães de primeiro filho em relação aos cuidados com o bebê recém-nascido é fruto da análise que fiz da vivência e experiência de avós que me chamaram atenção. Essa orientação se divide em alguns tópicos. O primeiro diz respeito à alimentação das crianças. O segundo, aos cuidados com a própria mãe e o terceiro, aos cuidados gerais que subdivido em higiênicos e emergenciais.
ALIMENTAÇÃO
Drauzio – Vamos começar pelos cuidados com a alimentação. Antranik Manissadjian – A primeira pergunta que as mães sempre fazem é qual o horário em que as crianças devem ser alimentadas. Respondo que não há um horário rígido. O intervalo entre uma mamada e outra pode variar de duas horas e meia a quatro horas. Estudos realizados por suecos, que analisaram o esvaziamento do estômago dos recém-nascidos, comprovam que realmente o estômago se esvazia no mínimo em duas horas e meia e, no máximo, em quatro horas, desde que essas crianças tenham se nutrido satisfatoriamente na refeição anterior. Nos primeiros 60 ou 90 dias de vida, o bebê mantém esse ritmo dia e noite. As mamadas noturnas serão abandonadas espontânea e voluntariamente quando estiverem satisfeitas suas necessidades de crescimento e desenvolvimento.
Drauzio – Muitas mães se assustam com o tempo que a criança passa dormindo. Não sabem se devem acordá-la ou deixá-la dormir.
Antranik Manissadjian – Realmente, crianças recém-nascidas dormem mais tempo do que ficam acordadas. Elas passam dormindo praticamente 90% do tempo. Nos 10% restantes, estão acordadas em função da alimentação. À medida que crescem, porém, os períodos de sono vão encurtando até atingir ritmo normal que se estabelece em torno dos seis ou sete meses de idade, algumas mais precocemente, outras mais tardiamente, porque isso é uma característica da espécie humana. O ser humano não é uma máquina. Cada pessoa é absolutamente diferente da outra. Mesmo em gêmeos univitelinos, observa-se esse fenômeno. As mães me perguntam, então, como devem alimentar sua criança. Respeitado esse horário flexível, o aleitamento materno é a melhor forma de alimentá-la desde que tenha leite suficiente para fazê-lo. Se não tiver, o aleitamento materno deve ser complementado com o leite que o pediatra que acompanha a criança selecionar.
Drauzio – Hoje existe a tendência de não dar mamadeira nem chupeta para as crianças. A justificativa é que sugar na mamadeira exige menos esforço e faz com que abandonem o peito materno. O senhor pegou uma época em que se costumava complementar o peito com chá ou água nas mamadeiras. Como vê essa mudança de conduta?
Antranik Manissadjian – É uma mudança de conduta que atribuo em grande parte ao modismo. Digo isso porque existe uma campanha acirrada no sentido de incentivar o aleitamento materno, que não depende da vontade de quem amamenta, mas de uma série de fatores emocionais e fisiológicos que fazem a mãe ter mais ou menos leite. O importante é saber distinguir os fatos a fim de que essa conduta não venha a prejudicar a criança num período de crescimento e desenvolvimento intensos, característica fundamental dos primeiros seis meses de vida, e que não venha a prejudicar, principalmente, a maturação do sistema nervoso que se inicia logo após o nascimento e termina na adolescência. A célula nervosa tem de estar muito bem nutrida, ou seja, recendo os nutrientes adequados para que a criança não apresente problemas de inteligência, de emoção, etc. É claro que há fatores genéticos envolvidos e que não se pode prever nem predizer quando estará firmado o equilíbrio mental das pessoas. Sabe-se, entretanto, que isso corre na infância ou mais frequentemente na adolescência.
Drauzio – Se a mulher tiver leite suficiente para atender as necessidades da criança nos primeiros meses de vida, não precisa oferecer-lhe outro tipo de a Antranik Manissadjian – Não há necessidade de complementar o leite materno com outro tipo de leite se a mãe possuir o suficiente para alimentar a criança. No entanto, embora vivamos num país em que a luminosidade é tão intensa que pode atender até certo ponto a carência de vitamina D, acho importante dar um aporte vitamínico, especialmente dessa vitamina, e também introduzir sucos de frutas a partir do segundo mês não só para aumentar a oferta de vitamina C, como para favorecer a maturação mais rápida da mucosa intestinal. Atualmente, existe a tendência de introduzir a alimentação sólida tardiamente, a partir do sexto mês. Na realidade, isso pode ser justificado nas camadas mais pobres da população em que o aleitamento materno representa certa garantia de alimentação para a criança, mas não se justifica quanto ao retardo da maturação da mucosa intestinal nem ao atraso no desenvolvimento do maciço bucomaxilofacial. Você se referiu também ao uso ou não de chupetas. Os americanos chamam chupeta de pacifier. Se será realmente um pacificador, depende muito da própria criança. Há a que pega chupeta e a que não pega. Há a que não pega, mas chupa o dedo. Pode-se dizer, então, que a chupeta responde a uma necessidade emocional da criança e faz parte da fase oral de seu desenvolvimento neuropsicomotor. Num ponto os ortodontistas discordam dos pediatras em relação ao uso da chupeta. Eles afirmam que ela pode provocar um avanço da arcada dentária superior e uma inadequação da mordedura entre as duas arcadas no futuro, o que exigiria a indicação de aparelhos ortodônticos para corrigir o problema.
Drauzio – A Organização Mundial de Saúde e o Ministério da Saúde no Brasil adotam a política de que toda mãe deve amamentar seu filho exclusivamente no peito até o sexto mês e só a partir de então deve oferecer-lhe sopinhas, suco de frutas, etc. O senhor pessoalmente concorda com essa visão?
Antranik Manissadjian – Minha visão pessoal está baseada num micromundo, por assim dizer. Dentro do macromundo e do macroatendimento de saúde, levando em consideração o grau de instrução de nosso povo e as dificuldades para a aquisição de alimentos que, às vezes, são retirados da boca de outras crianças da família para serem dados aos bebês, a visão é correta. Tenho a impressão inclusive de que essa conduta do Ministério foi norteada pela constatação de que há casos de atrofia cerebral observados em crianças com desnutrição grave ou média, uma vez que não foram alimentadas adequadamente durante o período mais importante de crescimento e maturação do sistema nervoso. Numa política macro e em função da classe social e do grau de instrução das mães, é extremamente válida a insistência do Ministério da Saúde na exclusividade do aleitamento materno até os seis meses.
Drauzio – Muitas mulheres se queixam de que o leite é fraco – ah, meu leite é fraco! – e deixam de amamentar os bebês. O leite pode mesmo ser fraco?
Antranik Manissadjian – Não existe leite fraco. Ou existe leite suficiente para atender as necessidades calóricas, proteicas, lipídicas, hidrocarbonadas e assegurar o crescimento e o desenvolvimento da criança ou não há leite suficiente. Leite fraco foi uma concepção criada para justificar aquilo que ocorre quando o bebê não se alimenta como deveria. Nesse caso, o intervalo entre as mamadas diminui e ele começa a chorar uma hora, meia hora depois de ter mamado no seio. A mãe pode possuir condições fisiológicas excelentes para a formação de leite ou não ter aleitamento suficiente para as necessidades daquela criança, porque variam muito de uma criança para a outra. Tanto assim, que não adianta a mãe alimentar-se excessivamente pensando que dessa forma vai aumentar a secreção láctea. Não aumenta. A única coisa que acontece nessas circunstâncias é que ela vai ganhar peso e depois ficar aborrecida porque não consegue perder esses quilos a mais. Na verdade, a mãe que amamenta sente mais sede porque o leite materno, como qualquer outro, é constituído aproximadamente por 90% de água. Ela precisa, então, saciar essa sede, bebendo água, leite ou qualquer outro líquido que lhe apeteça. Antigamente, se dizia que era bom tomar cerveja preta. Isso não faz a menor diferença quanto à composição ou aumento do leite materno.
Drauzio – Isso quer dizer que não existem alimentos nem líquidos que deixem o leite materno mais forte.
Antranik Manissadjian – Não existem alimentos que possam deixar o leite mais forte ou inadequado. Apesar da crença de que, se as mães ingerirem alimentos apimentados ou muito condimentados irão agravar as crises de cólica da criança, nunca observei tal resultado, tanto que lhes digo para comerem de acordo com seu apetite, com suas preferências alimentares. O principal é que saciem a sede e não fumem. Se por acaso forem muito dependentes do tabaco, que pelo menos diminuam drasticamente a quantidade de cigarros fumados por dia, porque a nicotina passa para a criança através do leite. Se o fumo traz problemas durante a gravidez, pois filhos de mães fumantes nascem menores e com peso mais baixo, traz também depois do nascimento. E não é apenas o fumo. Certos medicamentos, como os anti-inflamatórios não hormonais e os remédios para emagrecer que agem sobre a tireoide, passam através do leite. Por isso, se necessário, em caso de dor as mães devem tomar antiálgicos como aspirina ou paracetamol, ou então dipirona.
Drauzio – E quanto a mamar num seio só ou oferecer os dois seios em cada mamada? Hoje se diz que a mulher deve dar um seio só em cada mamada, porque o leite que sai no final tem maior teor de gordura e, portanto, maior conteúdo calórico.
Antranik Manissadjian – Não sei se existem estudos científicos comprovando que oferecer um único seio em cada mamada seja mais vantajoso para a criança. Aprendi e tenho verificado que a amamentação nos dois seios, alternando o lado em que se inicia e durante no máximo 15 ou 20 minutos de cada lado ou até ter a sensação de esvaziamento, faz com que o estímulo da sucção esteja presente nos dois seios em todas as mamadas. Além disso, tenho visto crianças amamentadas num único seio fazerem intervalo menor entre as mamadas, o que pode significar que não foram alimentadas suficiente e adequadamente. Assim, oriento as mães para que deem os dois seios, oferecendo primeiro o que deu por último na mamada anterior, e deixem a criança mamar enquanto tiverem a sensação de que ela está realmente sugando ou de esvaziamento do seio, tempo que não deve ultrapassar 15 ou 20 minutos em cada lado.
CÓLICAS E REFLUXO
Drauzio – Mães e pais ficam muito aflitos quando percebem que o filho está com cólicas ou tendo refluxo. Há quem diga que bebê não tem cólicas.
Antranik Manissadjian – A criança tem cólica em decorrência da própria imaturidade do organismo. Sob o ponto de vista físico, ela nasce como um edifício pronto e acabado, como uma fábrica montada, mas funcionalmente imatura. Criança tem cólica? Tem. A cólica é uma onda peristáltica que em vez de fluir adequadamente até o final do intestino delgado, encontra uma área em que existe um espasmo e a criança sente dor.
Drauzio – Como se percebe que a criança está chorando porque tem cólica?
Anranik Manissadjian – Existem ene causas para o choro da criança e a mãe acaba entendendo pelo tom o que o filho está querendo transmitir. A criança chora de fome, chora de sede, chora porque está agasalhada demais e nesse caso também transpira; chora porque está mal agasalhada, porque urinou ou evacuou e as fraldas estão sujas ou molhadas, ou porque quer arrotar. Até chegar ao choro por causa da cólica, existe um caminho longo em que a mãe vai paulatinamente decifrando o significado de cada choro, à medida que se entrosa melhor com o filho recém-nascido. Muitas dizem que a cólica aparece com hora marcada. A partir das seis da tarde, a criança começa a chorar. É verdade, mas antes de chegar a essa conclusão, ela precisa verificar se o bebê está com fome, com sede, se fez xixi ou cocô ou se quer arrotar. Normalmente, a maturação funcional começa logo após o nascimento. No caso do sistema nervoso, vai até a adolescência, algumas vezes uma adolescência sem fim, porque conheço muitos adolescentes com 50 ou 60 anos. A funcionalidade do aparelho respiratório, por exemplo, termina aos sete anos; a maturação do sistema circulatório, logo após o nascimento, mas a do sistema digestivo leva mais tempo e as cólicas acabam sumindo no segundo semestre da vida da criança. Quando a criança tem cólicas, as mães costumam colocar bolsa de água quente, passar óleo e fazer massagem no abdômen, dar chá de chicória. Nós, médicos, ficamos em palpos de aranha, essa é a realidade. Pode-se prescrever antiespasmódico. Quando ele não dá resultado, receito paracetamol ou dipirona, mas às vezes somos obrigados a dar barbitúricos (fenobarbital), porque a cólica pode estar associada a uma pequena disfunção cerebral. Outras vezes, só nos resta recorrer aos diazepínicos para acalmar a cólica e só a vivência vai indicar o método mais adequado para tratar cada caso.
Drauzio – E em relação ao refluxo, o que se deve fazer?
Antranik Manissadjian – Em relação ao refluxo, assunto que está em moda ultimamente, é preciso analisar como está sendo feita a amamentação para depois ministrar remédios antirrefluxo. Costumo orientar as mães no sentido de que devem procurar uma posição confortável para amamentar, pois vão ficar bom tempo sentadas, e descobrir qual a melhor posição para a criança, pois assim engolirá menos ar, já que por si o ato da sucção favorece a deglutição de ar junto com o leite. Se a criança estiver sendo alimentada com mamadeira, deve-se prestar atenção no tipo de bico usado. Ele deve ser mole (os duros exigem maior esforço físico, a criança se cansa e acaba dormindo) e ter o orifício adequado para que o leite verta com facilidade. Bicos que já vêm com o furo pronto frequentemente precisam de adaptações. Principalmente, ao oferecer o complemento em mamadeira, a mãe não deve permitir que haja nível de ar com o leite. A ingestão de ar distende o estômago, provoca dor e faz, muitas vezes, com que a criança regurgite. Outra medida necessária é colocar a criança para arrotar depois que mamou durante dez minutos. Se não arrotou, deve-se deitá-la sobre um dos lados, direito ou esquerdo, ou mesmo de bruços, mas nunca de costas porque o gás empurra e põe para fora o leite que encontra pela frente, passando a sensação de que ela vomitou, porque vai regurgitar de maneira intensa. Por isso me questiono a respeito do refluxo, se de fato os casos aumentaram ou se é falha na orientação dos pediatras quanto ao procedimento correto em relação ao ato de amamentar. Antes de fazer o diagnóstico de refluxo, é preciso avaliar as condições que cercam a amamentação para evitar que a criança receba desnecessariamente uma parafernália de medicamentos, como esvaziadores mais rápidos de estômago, antiácidos, antiespasmódicos, etc. HIGIENE
Drauzio – Existe uma discordância quanto ao momento em que deve ser dado o primeiro banho na criança. Qual sua posição a respeito?
Antranik Manissadjian – Atualmente, na maior parte das maternidades, o primeiro banho é dado logo depois de a criança ter nascido. Se ela se encontra em condições normais, após a identificação, toma banho. Entretanto, as mães de primeiro filho precisam ser orientadas sobre como devem proceder em casa. Nisso, as avós ajudam muito. Não é preciso esperar a queda do coto umbilical. Quando for dar banho, a mãe deve deixar à mão uma toalha felpuda, uma fralda de pano que cubra parcialmente a toalha, pois absorve mais rapidamente a água do corpo e um sabonete.
Drauzio – Algum tipo especial de sabonete?
Antranik Manissadjian – O sabonete que você e eu usamos, um sabonete de adulto, e nada de xampus. A criança deve ser lavada normalmente e enxaguada com água limpa, cabeça e tronco, coisa que a maior parte das mães não faz. Segue-se, então, uma série de recomendações a respeito de coisas que nós adultos fazemos habitualmente, mas que as crianças ainda não têm condições para assumir. Portanto, a mãe deve enxugar bem os ouvidos do bebê, mas com cuidado para não penetrar no canal auditivo.
Drauzio – O senhor recomenda o uso de cotonetes?
Antranik Manissadjian – O cotonete até pode ser usado, mas a fralda ou a toalha são suficientes para enxugar o pavilhão de orelha. Não se deve introduzir nada para secar os ouvidos. Há casos de perfuração da membrana do tímpano por causa de um movimento brusco e imprevisível da criança durante a limpeza dos ouvidos. Como se vê a prevenção de acidentes começa desde o nascimento. Depois, vem a limpeza da boca. Recomendo que seja feita com água bicarbonatada que pode ser preparada em casa. Basta adicionar a meio copo de água uma colher de chá de bicarbonato de sódio usado na cozinha. A mãe pode ter receio de passar essa solução com um chumaço de algodão cobrindo seu dedo ou com a ponta de um cotonete recoberta com algodão. Nesse caso, deve deixar a criança chupar (ela chupa por reflexo) por duas ou três vezes para que tenha um pH desfavorável ao crescimento de fungos.
Drauzio – Como o senhor orienta a higiene dos genitais?
Antranik Manissadjian – O genital dos meninos nunca deve ser forçado porque existe a fimose fisiológica que se resolve espontaneamente até o final do primeiro ano. Por isso, não sou favorável à postectomia precoce. No que se refere às meninas, a mãe deve limpar não apenas a área genital, mas também o espaço entre os pequenos e os grandes lábios sempre tendo o cuidado de fazer a higiene da frente para trás, isto é, na direção do ânus. Nunca no sentido contrário para não contaminar a vagina com as bactérias que normalmente existem no ânus.
Drauzio – O senhor poderia explicar o que é postectomia?
Antranik Manissadjian – Postectomia, também chamada de circuncisão ou cirurgia de fimose, é a retirada do prepúcio. Se feita por motivo religioso, respeito; mas fazê-la para evitar um problema que talvez possa ocorrer mais tarde, é discutível. É bom deixar a natureza seguir seu caminho. Nada no corpo humano existe sem motivo e o prepúcio tem sua razão de ser. Ele está ali para proteger o meato uretral, o orifício por onde sai a urina. Tanto é assim que uma parte das crianças circuncidadas desenvolve estenose de meato uretral e precisam ser submetidas a cirurgias para alargamento. Isso para não falar nas consequências deletérias da não fluidez adequada da urina durante a micção.
Drauzio – Vamos explicar o que é estenose do meato uretral.
Antranik Manissadjian - Estenose do meato uretral é o estreitamento do orifício que se localiza na glande, isto é, na ponta do pênis. Nas crianças circuncidadas, o contato com fezes e urina provoca uma irritação que paulatinamente leva à diminuição dessa fenda, o que dificulta a micção normal.
Drauzio – Existe ainda alguma outra informação que vale a pena destacar?
Antranik Manissadjian - Existe o que se chama de crise pubertária que, no sexo masculino, é caracterizada por tumefação dos seios, inclusive com formação e excreção láctea. No sexo feminino, além disso, há uma perda hemorrágica pelos genitais. Trata-se de um episódio absolutamente normal, sem nenhum significado patológico e não deve afligir as mães de primeira viagem. Muitas avós já viram esse fenômeno que pode ocorrer nos primeiros quinze dias ou, no máximo, nas primeiras três semanas de vida e reflete o excesso da ação dos hormônios transmitidos pela mãe sobre esses órgãos da criança.
Drauzio – O senhor acha que sabonetes, xampus e demais produtos de toucador especiais para crianças não devem ser usados?
Antranik Manissadjian – Não aconselho o uso de produtos de toucador infantis, como sabonetes, talcos, xampus ditos especiais para as crianças. Recomendo que a roupa pessoal da criança seja lavada apenas com água e sabão de coco em barra e que não sejam usados nem sabão de coco líquido ou em pó nem os amaciantes, porque podem provocar reações cutâneas irritativas terríveis que pioram com a aplicação de pomadas com corticoides. Tenho observado essas lesões não somente em crianças recém-nascidas, mas em crianças de qualquer idade e nos adultos também e que elas desaparecem quando esses produtos deixam de ser empregados na lavagem das roupas.
Drauzio – O senhor é contra ou a favor do uso de talco?
Antranik Manissadjian – Contra assaduras, sou mais a favor ao uso preventivo de pomadas protetoras, que normalmente mando as mães diluírem com óleo de milho ou girassol, aqueles mesmos usados na cozinha, até que fiquem bastante fluidas, porque muitas aderem de tal maneira à pele que exigem muitas lavadas para sair completamente. O uso profilático dessas pomadas traz melhor resultado do que o tratamento após a implantação da assadura.
ROUPAS
Drauzio – As mulheres brasileiras costumam embrulhar as crianças com xales e cobertores, embora a maioria viva em regiões de clima mais ameno. Que critério elas devem adotar para vestir suas crianças?
Antranik Manissadjian – As mães não devem basear-se na temperatura das mãos e dos pés das crianças quando forem vesti-las. Mãos e pés de bebês são normalmente frios, porque a circulação venosa é mais lenta. Luvinhas, por exemplo, não ajudam a aquecer as mãos da criança que deve ser vestida de acordo com a sensação térmica da mãe. Se ela está com frio, deve pôr roupas mais quentes no bebê e não deve agasalhá-lo, se está sentido calor. Outra recomendação que faço é que as roupas devem ser simples. Às vezes, a vaidade materna chega a tal ponto que vestem suas crianças como verdadeiras bonecas, embora nem sempre com roupas confortáveis.
PASSEIOS
Drauzio – Quando o bebê pode ser levado para passear?
Antranik Manissadjian – Às vezes, mães de crianças com dois ou três meses me perguntam se podem levá-las ao shopping para passear. Eu lhes digo que primeiro é preciso desenvolver sua resistência por meio da vacinação. No shopping, vão entrar em contato com um mundo onde existem vírus e bactérias que não sabemos quais são.
Drauzio – O senhor recomenda que a criança seja retirada de casa com que idade?
Antranik Manissadjian – Quanto mais a criança recém-nascida ficar calma e tranquila no seu canto, melhor. No começo, ela não deve ser retirada de casa exceto para ir à casa dos avós paternos ou maternos. Para se expor a outros ambientes, deve estar vacinada pelo menos com a primeira dose das diferentes vacinas.
Drauzio – Isso costuma ocorrer com que idade?
Antranik Manissadjian – O Ministério da Saúde recomenda que seja aplicada a vacina contra hepatite B e a BCG logo nos primeiros dias de vida. Minha conduta é um pouco diferente. Como hoje os pediatras fazem o papel de clínico geral ou do médico de família, sabemos muito bem quais são os problemas de saúde que existem em determinado grupo familiar, inclusive o uso de drogas pelos pais. Se eles não existem, prefiro que a criança inicie seu desenvolvimento mais tranquilamente; por isso, começo a vacinar a partir do segundo mês. E aí, é uma batelada de vacinas: hepatite B, difteria, coqueluche, tétano, meningite A e C, hemófilos B e antipneumocócica. O BCG reservo para após o quarto mês porque deve haver um intervalo de dois meses entre uma aplicação e outra. A partir da primeira dose de vacina, a criança pode sair, viajar, ir para a fazenda, etc.
AMBIENTE FAVORÁVEL
Drauzio – Em relação aos estímulos externos, o que é mais adequado para a criança?
Antranik Manissadjian – A criança tem que se adaptar ao ambiente em que vai viver. Entretanto, nos primeiros 40, 60 dias é bom que tenha tranquilidade em seu quarto, mas não na penumbra e, sim, com luminosidade, ou seja, deixando a luz do dia e também os ruídos da casa entrarem. Nesse período, muitas mães oferecem estímulos visuais para a criança, colocando no berço objetos coloridos e sonoros que chamem sua atenção. Obviamente, pessoas de poucos recursos têm mais dificuldade de dar esse tipo de atendimento para os filhos.
Drauzio – Nos primeiros dias, a criança deve ficar em seu quarto sozinha ou no quarto dos pais?
Antranik Manissadjian - Acho prudente não deixar a criança sozinha pelo menos nos primeiros 30 ou 40 dias de vida, porque ela pode regurgitar e aspirar o vômito, por exemplo. Como existem casos de morte súbita em crianças pequenas e, às vezes, até em crianças um pouco maiores, considero prudente que, no início, a criança fique em seu quarto com acompanhante ou no quarto dos pais.
Drauzio – Em que posição a criança deve ser colocada no berço?
Antranik Manissadjian – Recomendo que seja sempre colocada no berço em posição lateral, com um travesseiro que sirva de calço para impedir que vire. Pode ainda ser deitada de bruços, mas não constantemente porque essa posição favorece a abertura da articulação coxofemoral e a criança acaba ficando com pernas como as do Carlitos. A meu ver, portanto, a criança nunca deve ser colocada de costas por causa do perigo que a regurgitação e a aspiração do vômito representam.
RELAÇÕES SOCIAIS
Drauzio – E o relacionamento dos pais com o filho pequeno como deve ser? Muitos evitam até chegar muito perto com medo de transmitir algum vírus ou bactéria para a criança.
Antranik Manissadjian – O contato maior da criança tem que ser com a mãe. A telepatia mãe/filho realmente existe. Ela deve conversar com ele, cantar porque isso de alguma forma representa um estímulo para seu desenvolvimento auditivo e visual. O pai também pode carregá-lo sem problemas. Agora, não recomendo que criança pequena vá para o colo de pessoas estranhas. Apesar do carinho e da atenção que a visita dispensa, ela vem de fora e pode representar uma fonte de contaminação. Portanto, os familiares podem e devem pegar as crianças, mas sem exageros. Elas são extremamente espertas e logo descobrem como comandar a situação. Criança acostumada no colo acaba montando a cavalo nos familiares. Ouço com frequência os pais dizerem que a criança está aos berros, mas sossega quando a pegam no colo. A educação da criança começa antes e continua após o nascimento. Todos nós conhecemos crianças birrentas, porque foram supermimadas nos primeiros meses e anos de vida. Faz parte também da educação, a mãe aprender a respeitar o paladar e o apetite da criança. Deve fazer com que ela se alimente da melhor maneira possível, sem entrar em conflito porque acha que come mal e pouco.
http://drauziovarella.com.br/mulher-2/primeiros-cuidados-com-o-bebe/
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